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Dr. Filipe Fernandes

Neuropsicólogo

O vício dos videojogos

HPA Magazine 12


A Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu oficialmente no passado dia 25 de maio, na última revisão da Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas de Saúde Relacionados (ICD-11), o vício em videojogos (Gaming Disorder) como uma perturbação mental. 
Esta perturbação é definida como o padrão de comportamento de jogo, online ou offline, tão persistente e recorrente que toma primazia sobre os outros interesses da vida. Há um deficiente controlo deste padrão comportamental, resultando em consequências negativas ao nível familiar, social, educacional ou laboral.


É considerado que esta perturbação afetará uma pequena percentagem das pessoas que jogam videojogos, com dados fornecidos pelo Oxford Internet Institute, na pessoa do seu diretor, Andy Przybylski, a estimar a prevalência em cerca de 0,3% da população Britânica. Assumindo a mesma prevalência para a população Portuguesa, estaremos a considerar cerca de 3000 casos em Portugal. Atualmente, a importância desta nova classificação oficial prender-se-á mais com o aumento da atenção dos clínicos para a problemática e o desenvolvimento de estratégias preventivas e respostas terapêuticas.
Os videojogos são frequentemente associados com alterações do cérebro, emoções e comportamento, nomeadamente comportamentos violentos. Contudo, não existem evidências científicas sobre estas correlações.

O que sabemos então sobre os efeitos malignos de jogar videojogos?

Sabemos que os jogos podem despoletar fortes estados emocionais, como alegria ou raiva, facilitando comportamentos agressivos, mas que esta vivência é muito curta no tempo e sem impacte para a vivência quotidiana. As investigações têm demonstrado que as experiências emocionais dos jogadores estão diretamente relacionadas com o jogo, e mesmo o efeito de facilitação de comportamentos agressivos passa rapidamente, não se verificando repercussão na qualidade de vida.
Pessoas que passam mais tempo a jogar videojogos são mais facilmente caraterizadas como ansiosas ou com humor depressivo. Contudo, não é facilmente percetível se é a experiência dos videojogos que originam estas vivências, ou por outro lado, se são pessoas com estas caraterísticas que ocupam maiores segmentos da sua vida jogando videojogos.
Os videojogos atualmente conseguem criar vivências de imersão muito fortes, ativando os centros de recompensa do cérebro que regulam a nossa motivação e comportamento adaptativo. Ocasionalmente, as recompensas fornecidas por estas realidades virtuais podem suplantar aquelas que recebemos da “vida real”, resultando em comportamentos de vício. 
Quem quer passar o dia a estudar ou servir à mesa quando recebe muito maior gratificação neuronal por salvar mundos, comandar um esquadrão de naves ou ser um super-herói? O mundo digital pode também configurar-se como mais seguro, protetor de vivências de ansiedade e providenciando maior sentido de realização.
Em alguns casos, como no caso específico dos Hikikomori japoneses, a vivência digital consegue ser o único elo de contato com a sociedade. Os Hikikomori são os eremitas da era digital, sendo um termo cunhado pelo psicólogo japonês Tamaki Sait em 1998. 
Este termo descreve jovens que se fecham em casa, passando meses ou anos sem sair do domicílio, tendo uma existência que se resume em grande medida à sua presença digital. São jovens, que numa cultura com rígidas normas sociais, altas expectativas manifestadas pela família e uma “cultura da vergonha”, vivenciam sentimentos de inadequação e o desejo de se esconder do mundo.

Falemos agora dos fatores positivos em jogar videojogos.

Foi cientificamente verificada melhoria da atenção visual/processamento visual em jogadores de títulos de ação; melhoria da coordenação psicomotora; maior rapidez em processos de tomada de decisão; melhores capacidades de navegação (orientação) espacial; aumento de comportamentos de perseverança (lutar contra as adversidades até que estas sejam ultrapassadas); e em casos específicos de jogos cooperativos (em que vários jogadores formam uma equipa, partilhando um objetivo), melhoria da qualidade das relações sociais e maior sensação de bem-estar.

Sendo os malefícios e os benefícios dos videojogos uma área ainda pouco estudada, o que fazer então? Devemos ou não jogar? Devemos ou não deixar os nossos filhos jogar?

A indústria dos videojogos está em franco crescimento, mundialmente suplantada em receitas a indústria do cinema e em vários países mesmo as receitas da indústria do cinema e da música em conjunto. A tendência será o crescimento desta indústria e a criação de títulos com maior poder de imersão. 
Penso que a resposta para se devemos ou não jogar ou deixar os nossos filhos jogar será “Sim”. Contudo, firmemente alicerçada em dois pilares: primeiro, é necessária moderação relativamente ao tempo que se passa a jogar (de um modo mais generalizado, controlo do tempo que passamos em frente a ecrãs); segundo, devemos criar uma sociedade que aceite os jovens, que lhes providencia uma educação com sentido pessoal, que os integre ocupacionalmente e saiba aproveitar o seu caráter criativo.
A moderação no “tempo de ecrã” (TV, videojogos, tablets, telemóveis) é de extrema importância para as crianças, mas também para os adultos. A OMS considera que uma criança com menos de 2 anos não deverá passar qualquer tempo passivo perante um ecrã e, para uma criança de entre os 2 e os 4 anos, aconselha-se uma permanência máxima de 1 hora em frente a ecrãs. Em idade de escolaridade primária o conselho varia entre 1 e 2 horas no máximo e para adolescentes o máximo de 3 horas. O foco na limitação do tempo reside não no malefício que os “ecrãs” ou jogos possam originar, mas devem-se à perda de outras experiências: atividades físicas ou sociais. Uma criança que está em frente a um ecrã está fisicamente inativa, não está a explorar o seu meio ou a interagir com outros. Quanto mais horas passar nesta atividade, mais se verificará uma pressão sedentária sobre o seu desenvolvimento. Uma criança que está em frente a um ecrã não está a interagir com os pais ou com outras crianças, perdendo deste modo um tipo de interação essencial para um desenvolvimento saudável. 
Para crianças mais velhas e jovens há também o risco que o tempo passado em frente a ecrãs vá perturbar o tempo de sono, com posterior prejuízo para o neurodesenvolvimento e baixo aproveitamento escolar. Também nos adultos se verifica aumento de sintomas de ansiedade e baixa da autoestima, correlacionada com tempo passado a visionar redes sociais.
Jogar de modo moderado é também saber escolher os jogos. As crianças deverão apenas jogar títulos adequados ao seu nível de desenvolvimento. Os pais deverão ter muita atenção às indicações etárias dos jogos e deverão respeitá-las. Não é adequado deixar uma criança de 10 anos jogar um título que foi desenvolvido para maiores de 18 anos. Os pais devem fazer um esforço para conhecer os jogos que os filhos jogam, saber qual a temática; saber se há interações com terceiros (com especial atenção para as interações verbais que possam abrir a oportunidade para aliciamento (grooming) por predadores; deverão saber se existem loot boxes, que consistem em sistemas muito semelhantes ao utilizado em jogos de azar e que podem propiciar situações de gastos monetários muito elevados.
Jogar de modo moderado implica que o jogo não interfira com os horários do sono; com o tempo das refeições (de preferência tomadas em família); com a frequência da escola ou ocupação laboral; ou com a socialização. Jogar faz parte da natureza humana, é um comportamento benigno e saudável, desde que moderado e sem prejudicar o restante comportamento adaptativo do Ser Humano.